Como já devem ter percebido, vez ou outra gosto (na verdade, amo 🙂 ) lançar um tema para discussão um pouco mais crítico quanto à situação de nosso país e a área de Educação é com certeza um “prato cheio”. Hoje, quero levantar uma questão muito importante que muitos estão deixando passar despercebida: o que nós queremos realmente para o nosso país, educação pública de nível superior de qualidade ou em quantidade?
Obviamente, você deve ter respondido, sem pestanejar, “de qualidade”. Mas… será que é isto que estamos vendo acontecer?
Bem, mais uma vez, quero deixar aqui o meu “pitaco”, já que atuo na área de educação em instituição de ensino superior (e ainda aproveito para discutir e ouvir o ponto de vista de minha sogra, professora do sistema de ensino público com mais de duas décadas de experiência!).
O que temos visto nos últimos anos foi primar pela quantidade em vez de estudar, mensurar e melhorar a qualidade.
Bem, acredito que você, caro leitor, ainda não tenha percebido aonde quero chegar, então vou começar com uma pergunta: o número de vagas nas universidades federais tem aumentado bastante. Isso é bom ou ruim?
“Bom!”, todos devem gritar em coro. E eu respondo: nem tanto. O motivo é muito simples: quanto maior o número de pessoas com um mesmo grupo de conhecimentos específicos, principalmente quando a educação do mesmo não primou pela excelência, o mais comum é que a lei da demanda e da oferta faça com que os salários que lhes são oferecidos sejam menores.
Muitos podem estar me odiando agora, dizendo que eu não quero “oferecer oportunidades a outras pessoas”, pelo contrário, é sobre isso que eu falo quase o tempo todo (e se você já acompanha o Giga Mundo há algum tempo, deve concordar comigo)! O problema é que nem sempre a oferta de vagas condiz com a demanda do mercado de trabalho e, pior, NUNCA a reforma no quadro docente e nos recursos empregados pela instituição acompanha o crescimento no número de vagas.
Prova disso é simples: podemos falar em linhas gerais que praticamente dobra-se o quadro de docentes enquanto quadruplica-se o número de discentes. Em outras palavras, está faltando professor para cuidar dessa turma toda.
Quanto aos outros recursos (laboratórios equipados, por exemplo), bem, aí é que as coisas complicam ainda mais! As universidades públicas estão ficando “inchadas” de alunos, mas não possuem infra-estrutura suficiente para tal. Nós, professores, nos desdobramos ao máximo para conseguir fazer nosso trabalho da melhor forma possível, “dando nossos pulos”.
Obviamente, alguém poderia me dizer: “ah, mas daí que o aluno entre? Para sair de lá graduado, vai ter que ralar muito!”. Bem, não se preocupe quanto a isso, pois “alguém” já pensou nisso por você!
Hoje, as instituições federais de ensino superior sugerem ao professor que, “sempre que possível”, consigam uma aprovação mínima de 50% em suas turmas. Em outras palavras: “mesmo que o aluno não esteja indo muito bem, dê um jeitinho”.
Para quem não entendeu o porquê disso, basta lembrar que o Brasil adora o dinheiro do FMI, mas o FMI “obriga” os países devedores a seguirem certas políticas a fim de garantir a melhoria na qualidade de vida de sua população, e uma delas é quanto à alfabetização e o nível educacional. Eles querem que o Brasil seja um país com pessoas com melhor desenvolvimento cultural e educacional, mas só “verificam se a pessoa é graduada ou não”.
O que “alguém” faz por aqui? Simples, “facilita” a aprovação do aluno. Isso é visível, pois temos alunos em sétima e oitava séries do ensino fundamental que não conseguem compreender ou mesmo ler de forma adequada um texto. Matemática, então, é praticamente uma forma de “castigo coletivo” que alguém inventou!
E isso não pára aí! No ensino superior, vemos pessoas com os mesmos ou mais problemas – dificuldades quanto às línguas estrangeiras ou à própria língua nativa, problemas quanto ao raciocínio matemático, fraquezas no desenvolvimento do raciocínio científico, etc. E então eu pergunto: se não estamos conseguindo oferecer um ensino REALMENTE superior para estes, como podemos quadruplicar a quantidade de alunos, nem mesmo dobrar o quadro de docentes efetivos, não melhorar os recursos disponíveis e, ainda assim, garantir que o ensino será realmente “de qualidade” para todos?
Acredito que um dos grandes problemas está sendo na falta de uma preparação mais madura, mais séria, dos nossos jovens durante os níveis anteriores, pois se nossos alunos conseguirem uma base mais sólida, poderão, ao concluir a graduação, desempenhar seu papel na sociedade de forma muito mais saudável e exemplar.
Você pode estar se perguntando: e qual será a tão grande consequência de termos um ensino superior que prima pela quantidade antes de primar pela qualidade?
Bem, seguindo as leis da oferta e da procura (e observando a atual situação que vivemos), percebemos que:
- Como há muitas pessoas com a mesma formação, temos uma maior oferta de mão-de-obra, o que causa a queda no valor dos salários. Enquanto que a 15 anos atrás pessoas com ensino médio tinham excelentes salários, hoje uma pessoa com ensino superior acaba aceitando um emprego que lhe pague somente dois ou três salários mínimos por não ter outra oportunidade. E convenhamos que estudar durante duas décadas (faça as contas!) para ganhar somente dois ou três salários mínimos é o fim da picada!
- Degradação daquilo que significa o ensino superior. Hoje ensino superior é considerado (quase) tão trivial quanto o ensino médio ou o fundamental. Prova disso é que muitos concursos e vagas que as empresas abrem hoje pedem que você tenha no mínimo especialização (isto é, alguma pós-graduação). Em outras palavras, mais um “nível educacional” é exigido. E eles não estão errados: devido a falhas na qualidade do ensino superior, o fato de ser graduado hoje não garante que você possui maturidade, conhecimentos e experiência suficientes.
Se você ainda posiciona-se como cético ao que falo, basta lembrar que durante as gerações de nossos pais o ensino público fundamental e médio eram reconhecidos por sua excelência. Hoje, observamos a decadência do mesmo e agora o ensino privado tem oferecido melhores oportunidades.
Similarmente vejo acontecer quanto ao nível superior: enquanto que muitos ainda gostam de falar sobre as vantagens educacionais que há no ensino federal, percebemos que as melhorias no mesmo parecem estagnadas ou muito lentas, enquanto que as universidades particulares estão progredindo a passos muito largos. Aliás, sempre aconselho a fazer-se uma poupança para a faculdade do filho, pois não é possível garantir como estará o nosso sistema de ensino público superior daqui a 15 ou 20 anos se comparado com o ensino particular.
Alguns podem criticar-me, falando da importância de aumentar-se o número de vagas a fim de acompanhar o crescimento populacional, bem como fomentar mudanças culturais e profissionais. Concordo, isso realmente é importante, mas se feito com qualidade! O foco do problema aqui está na qualidade! O que é melhor: 5 bons profissionais ou 10 profissionais medíocres? Qual grupo você acha que contribuirá muito mais para o desenvolvimento de sua cidade?
Bem, após tudo isso, alguém poderia querer saber o que pode ser feito para alcançarmos a tão desejada qualidade no ensino superior. Bem, algumas coisas são (essa lista é importante e interessante não somente para o ensino superior!):
- Aumento na disponibilidade de recursos e infra-estrutura adequada para o processo ensino-aprendizagem;
- Melhoria no quadro efetivo de docentes bem como melhores subsídios para o quadro de docentes temporários;
- Programa de atualização permanente dos docentes;
- Expansão do número de atividades e cursos oferecidos aos alunos;
- Estímulo do desenvolvimento de projetos que envolvam docentes e alunos a fim de atender necessidades reais de empresas, da comunidade ou de pesquisas científicas;
- Subsídios à pesquisa (e aplicação de seus resultados) a fim de buscar novas práticas e abordagens a serem aplicadas na educação;
- Investimentos em uma educação mais séria e atraente em todos os níveis educacionais.
O que considero engraçado é o fato de que a quatro anos ouvimos os políticos apresentarem propostas de reformas educacionais que envolvem todos esses pontos e muitos outros mas, após as eleições, tudo volta à “estaca-zero”.
Está na hora de não mais deixar “eles” nos iludirem e começarmos a buscar o que é nosso por direito, afinal de contas, pagamos impostos e seguimos regras pois isso é o melhor para toda a nação, mas por que não vemos isso realmente acontecer na prática?
Sendo assim, mensagem do Giga Mundo para o munto todo: Antes de buscar maior quantidade de alunos em sala de aula, vamos exigir mais qualidade na educação oferecida!