Que a Educação no Brasil (infelizmente, em grande parte das escolas públicas) vai cada vez pior, nós já sabemos. Mas, agora, as coisas mostram-se ainda mais alarmantes e não é boato.
Como professor universitário, gosto de ler artigos e textos sobre como vão as coisas no campo da Educação. Hoje, deparei-me com um artigo de Alcione intitulado Analfabetos da quarta série: estudantes made in Brazil que retrata muito bem a imagem do Brasil nas escolas de hoje.
Alcione comenta que segundo dados baseados em pesquisa do IBOPE (Intituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística) 64% dos jovens e adultos brasileiros que chegaram à quarta série não conseguem ler e interpretar textos longos e (ainda mais alarmante) outros 12% alcançam tal série ainda completamente analfabetos, em outras palavras, 76% dos jovens estão alcançando a quarta série do ensino fundamental como analfabetos ou semi-analfabetos, quando na verdade já deveriam ter total domínio para leitura e interpretação de diversos textos.
Esta é uma triste realidade que não é fácil de reverter. Já atuei como professor de matemática de ensino fundamental e minha sogra também é professora (coincidentemente ela atua na educação de jovens no ensino fundamental), então em muitas de nossas conversas ela já demonstrou o quão triste que se sente por ver como a “máquina educacional” funciona por dentro.
Como Alcione mesmo comentou, o fato é que para conseguir incentivos externos o Brasil deve seguir algumas regras que visam oferecer melhores condições de vida à sua população, e uma dela é o índice de alfabetização, que deve ser alto suficiente para conseguir os famosos empréstimos que tantas vezes já tomamos.
O problema é que, em vez de oferecer uma melhor educação, efetuar uma reforma no processo ensino-aprendizagem e investir mais recursos a fim de tornar o aprendizado mais fácil e proveitoso, o que nosso país (leia-se aqui: pessoas capazes de tomar tais decisões bem como aqueles que devem supervisionar o aprendizado) prefere simplesmente aprovar mais pessoas. Claro, se o que “conta no final” são somente números, qual melhor forma do que somente aumentá-los?
Minha sogra atua na rede pública e, lá, ela já foi questionada sobre o “porquê de tantas reprovações” em uma de suas turmas anteriores (ela atua também com turmas de aprendizado acelerado, qualquer dia desses a gente acaba falando aqui um pouco sobre essa nova “metodologia de aprendizado” que nada possui de acelerada, ok?). Ela comentou que infelizmente os alunos haviam entrado com muito pouca preparação e, mesmo com todos os esforços, muitos ainda não se encontravam aptos para serem aprovados.
Adivinha só? É, isso mesmo, eles perguntaram a ela e insistiram sobre a possibilidade de simplesmente “aprová-los”, como se as denominações “primeira série”, “segunda série”, etc. fossem somente “palavrinhas sem sentido”, em vez de designar qual o nível de preparação educacional do aluno a fim de sabermos se ele está apto ou não para estudar um determinado conteúdo.
Agora eu lhe pergunto: se lá na base, ou seja, nos primeiros anos na escola, onde ele deveria ser melhor preparado para o que iria encontrar pela frente, eles são simplesmente “jogados para a próxima série”, vocês acreditam mesmo que eles estarão aptos? O que irá acontecer?
Estamos falando de pessoas que começam a frustrar-se, a pensar que “estudar não é para elas” e isso porque em vez de buscarmos novas formas de aprendizado e, assim sendo, cativá-las, simplesmente jogamo-as para a próxima série.
No texto de Alcione, ela comenta sobre sua insatisfação, não quanto ao governo ou à família do aprendiz, mas sim quanto às escolas, professores e demais instituições e profissionais diretamente envolvidos com a educação.
Concordo que, uma vez que eles são os que estão mais próximos do estudante, eles possuem uma parcela considerável de culpa, mas, como comentei, eu também já fui professor de ensino fundamental (ensinei o que hoje corresponderia à nona série do ensino fundamental) em escola particular (ou seja, falhas na educação há não somente na rede pública) e a principal reclamação que eu tinha na escola era quanto às notas dos alunos, pois as notas da minha turma eram mais baixas (só para terem uma noção, na primeira prova que tivemos, a maior nota fora 2,3 e na segunda prova a maior fora 2,7).
Após o resultado da primeira prova, a direção chamou-me a atenção e perguntou-me o que tinha acontecido, pois os pais dos mesmos estavam reclamando (como já é de imaginar, entrei como substituto de uma outra professora, o que pode ser uma vantagem ou desvantagem, pois os alunos já ficam acostumados a como era a didática de determinado professor).
Alguns podem dizer que eu estava sendo “cri-cri”, “Caxias”, “fazendo de propósito para eles reprovarem”. Sendo bem sincero: eu não conhecia nenhum daqueles jovens, que mágoa eu teria para querer-lhes mal?
O fato é que eu já conhecia a didática dos professores daquela instituição e sabia que muitos dos professores com quem eles estudaram não teria realmente estimulado todo o potencial deles, já que eles estavam acostumados a só resolver “problemas fáceis”, a serem pouco cobrados. Como ficou visível, ao serem cobrados de forma adequada, eles não estavam preparados, e levou tempo até se acostumarem.
Moral da história? No fim do ano houve um simulado para todas as turmas, o qual fora preparado pela antiga professora deles (ela ainda lecionava em outras turmas, por sinal, da mesma série). E que alegria não foi para mim quando meus alunos vieram até mim e contaram-me rindo quão fácil havia sido aquele simulado e como o desempenho deles havia sido melhor do que o dos que ainda estavam estudando com a outra professora.
O que isso mostra? Não sou o melhor professor, mas ao menos sei que sempre podemos instigar melhor o potencial de cada aluno, algo que infelizmente não estava acontecendo naquela instituição. Na verdade, a maior parte das instituições educacionais em nosso país não mais sabem aproveitar realmente todo o potencial de um aluno a fim de que ele possa descobrir até onde pode chegar e, conseqüentemente, perceber que tudo o que eles quiserem pode ser deles, basta lutar por isso.
Além disso, ficou visível que muitas vezes professores e escolas entram em um “acordo” a fim de satisfazer as exigências dos pais, que muitas vezes somente querem “ver o seu filho passar de ano”. É perceptível: nenhum pai vai até a escola preocupado para saber quais assuntos seu filho não conseguiu aprender, onde teve dificuldades e como ele pode ajudar, eles somente querem saber porque o professor não aprovou ele.
Rede pública ou privada. Busca por incentivos externos ou “querer ver seu filho livrar-se de outro ano escolar”. Não importa onde ou qual o motivo: estamos deturpando aquilo que deveria ser um processo ensino-aprendizagem prazeroso capaz de preparar o jovem para enfrentar a vida como um desafio, não como um obstáculo.
Agradeço a Alcione pelo seu texto: abriu minha mente para a importância de discutir e, quem sabe, tentar trazer um pouco de minha experiência e de colegas a fim de apontar que há muitas peças soltas nesse jogo e, enquanto não colocarmos elas em seus lugares, estaremos sempre olhando para tudo sem compreender como realmente “consertar” as coisas.